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sexta-feira, 17 de setembro de 2010

A máquina

Abandonada foi ela, encontrada por Martine, abandonado também. A solidão, tão reconhecida e renegada, acabara de conhecê-lo. Martine, vinte e três anos de pura vida, saudável, feliz e, às vezes, quieto. Resolvera encontrar-se em mais um de seus dias. Sua rotina o fizera prisioneiro. Martine, chamado por seus colegas de indeciso, nunca se contentava com o mundo, muito menos com sua vida. Seu porão, único amigo encontrado nas estações, era repleto de objetos esquecidos. Entre eles, encontrou uma máquina de escrever – muito velha, por sinal. Fabricada em 1970, período de ditadura militar em seu país. Em seu raro ócio, resolveu tentar descobrir-se através da escrita. O início, como sempre, foi difícil. Não sabia o que escrever, tinha muitas idéias, porém, efêmeras. Iam embora, assim como os carteiros em dias de chuva. Martine era um rapaz completo – para os outros, claro – acordava cedo, freqüentava as aulas de Filosofia, escrevia cartas para as pessoas analfabetas que queriam manter contato com seus entes e, aos finais de semana, nos últimos meses, ia com sua mulher, Coralina, para os jogos de azar. Coralina era uma mulher robusta, aonde chegava causava frisson aos presentes. Filha do prefeito da cidade, freqüentava os melhores lugares, usava as melhores roupas e, é claro, usufruía de tudo em excesso. Certo dia, aliás, perguntara a Martine se ele não gostaria de mudar de curso, tornar-se como o pai dela, um homem respeitado em toda cidade, afinal, para ela, Filosofia era uma ciência muito desnecessária para uma sociedade movida a onças e peixes. Martine, com seu jeito intelectual, sempre inventava uma desculpa qualquer.

- Veja bem, Coralina, sei que seu pai é um prefeito renomado, todos o respeitam, só, que, eu prefiro continuar estudando as retóricas dos sofistas, afinal, seu pai, sem se quer saber, utilizou da persuasão, dos sofistas, para encher seu pasto de vacas que só queriam o capim de cada dia.

Sempre quando tinham essas conversas o ambiente ficava calado.

Continua...


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Imagem retirada do site: http://alanpereira.arteblog.com.br/48591/Desenho-de-Observacao-Modelo-Vivo-02/

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